31 julho, 2008

És o que lês



Recebi um e-mail de protesto contra Guillermo Habacuc Vargas, o polémico artista da Bienal Centroamericana de Arte 2007, autor da Exposición N° 1, em que, alegadamente, o artista terá mantido preso e sem alimentação um cão vadio apanhado nas ruas de Manágua, capital da Nicarágua. Na altura, chegou a dizer-se que o animal teria morrido à fome.

Alguns minutos depois de encaminhar a mensagem, na qual se pedia para assinar uma petição de protesto contra a participação do artista na Bienal Centroamericana Hondura 2008, nas Honduras, recebi uma resposta.

Dizia: "Lê isto".

18 julho, 2008

Biologia do Amor



Aprendemos que nos distinguimos de outras espécies animais pelo uso da linguagem, pelo atributo da razão, pela condição imaginal de projecção e transcendência, pelo trabalho, pela acumulação e transferência de cultura, pela elaboração de regras sociais, pela construção da história, pela produção do conhecimento. Mas certamente escutamos muito pouco ou nada a respeito da dimensão onírica da condição humana. É possível que nunca nos tenham dito com todas as palavras, nem na escola, nem na nossa família, nem na universidade, que a espécie humana é a única que sonha acordada. Que, durante a vigília se projecta pelo sonho, cria fantasmas que nos consome, personas que ao mesmo tempo, nos escondem e nos desvelam. Desde criança aprendemos que a vida em sociedade é marcada pela regra e que a regra é gestada pela razão. Que a razão é um mecanismo ou uma qualidade do pensamento capaz de domesticar e impor limites às emoções humanas que seriam responsáveis pelo desregramento, pela desordem e pela selvageria social. Certamente o aprendizado dessas verdades foi matizado e não homogéneo. Os artistas, os poetas, e mesmo na ciência, os pensadores não enclausurados nos paradigmas da repetição e da ordem, experimentaram outras verdades. (...)

Humberto Maturana: a biologia do amor
Há em cada um de nós uma biologia do amor que pede para ser accionada, que deseja uma condição favorável para emergir e expressar-se. Render-se ou não render-se à biologia do amor, pode ser um desafio importante para a condição humana. (...) “Existem duas emoções pré-verbais” diz Maturana: “a rejeição e o amor”. A rejeição opera uma cognição pautada pela separação, pela negação e pela exclusão do outro em relação ao observador. Quanto ao amor, este “constitui o espaço de condutas que aceitam o outro, como um legítimo outro na convivência” (1998). Rejeição e amor não são entretanto opostos entre si, porque a ausência de um não leva ao outro, sendo mais apropriado dizer que ambos têm como oposição, a indiferença. Para Maturana é no plano das consequências do agenciamento do amor ou da rejeição, que se configuram caminhos cognitivos divergentes. A rejeição nega a convivência; o amor a constitui. Quanto à indiferença, esta não agencia conhecimento, não provê valores, não posiciona o sujeito, não opera acção pelo linguajar, não é oposição nem adesão. É mais propriamente um estado de inércia, desprovido de aptidão e vontade para colocar-se frente a qualquer coisa. Um estado de apatia e torpor. A rejeição e o amor são, ao contrário, operantes, agenciamentos da cognição, estados cognitivos dinâmicos, em acção. O primeiro (rejeição) opera pela recusa prévia frente a um fenómeno, a um valor, a uma circunstância. Poderíamos chamar a isso de um estado cognitivo covarde, medroso, frágil. (...)

Para Maturana operar na emoção pela via do amor é constituir o propriamente humano na convivência. Isso porque o “amor não é um fenómeno biológico eventual nem especial, é um fenómeno biológico quotidiano” (op. cit.). Ele é tão básico que torna-se necessária uma verdadeira maquinação cultural para contê-lo. Por isso, a consciência da guerra e a incitação a ver no outro um inimigo a ser destruído, são frutos da internalização de uma visão de mundo que só se mantém pela vigilância e pela obediência. Se não houver vigilância para criar, cultivar e manter a ideia do inimigo, a biologia do amor emerge e desconstroi-se a imagem de inimigo. Fazendo alusão à Primeira Guerra Mundial, Maturana diz que era esse o problema das trincheiras. “Era preciso proibir o encontro dos inimigos fora da luta”, porque se os alemães, ingleses e franceses conversassem entre si nesses períodos, “acabava-se a guerra”. Daí a necessidade de manter uma dinâmica permanente de desclassificação do outro como uma forma de conter a compulsão natural para a aceitação, o convivial, o afectual. (...)
Maria da Conceição de Almeida, Biologia social das Emoções

Saber Amar
(...) Se o inferno são os outros, a felicidade também o é. Se não existe inferno sem os outros, também não há felicidade sem eles. Amar é algo que já se nasce sabendo. Em geral, os pais tentam educar as crianças para aperfeiçoá-las nesse saber. Procuram criar um ambiente onde elas tenham oportunidades de desenvolver aquilo para o qual nasceram, isto é, respeitar os outros e o mundo natural.
Mas sabemos que ao crescer elas se vêem obrigadas a enfrentar uma cultura que é o oposto de tudo isso. Têm de desaprender a amar, e disso se encarregam a racionalização, as ideologias e o conformismo, cuja estratégia é transformar o amor em um produto raro, difícil de obter e, por isso mesmo, muito valorizado no "mercado". (...)
Humberto Mariotti, Os Cinco Saberes do Pensamento Complexo



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A essência do ser humano está no coração; isto é o que muitos pensadores como Michel Maffesoli, Daniel Goleman, Adela Cortina e eu mesmo afirmamos há anos. Reside na inteligência cordial e na razão sensível. Não se trata de abdicar da razão analítica e calculista, mas de completá-la e alargá-la para que nossa capacidade de compreender seja mais ampla e fecunda. Dando centralidade a estas outras formas de exercício da racionalidade, criamos espaço para que emerjam o cuidado, o amor, a compaixão e o respeito, valores sem os quais não salvaremos o sistema da vida ameaçado.
Leonardo Boff, Ensinamentos dos antigos maias para uma civilização em crise