10 fevereiro, 2006

Filhos da água

O nosso primeiro habitat foi um corpo maior, cheio de água, dentro dela, no útero da mãe, no corpo da nossa mãe. Depois nascemos e repete-se: dentro de um corpo maior, mãe Terra.


Ísis a amamentar Hórus (Antigo Egipto)

O nosso corpo é 70 por cento água. Conta-se o mesmo na Terra - 70 por cento da superfície da Terra é água. Tão parecidos, mãe e filho.



A vida surgiu no oceano primevo. Depois de milhões de anos, e de vários estádios evolutivos, organismos unicelulares começaram a transformar o hidrogénio em oxigénio. Tinham acabado de descobrir a magia da fotossíntese, a habilidade de transformar a energia do sol em clorofila. O ar encheu-se de oxigénio e a vida fora do caldo primitivo tornou-se possível. Lá dentro, nesse oceano caótico, os primeiros organismos descobriram o sexo. Aprenderam a unir-se, a ligar-se e a partilhar informação. Descobriram que partilhar multiplica todas as possibilidades, que enriquece quem dá e quem recebe. Esta força mágica, este impulso magnífico que permitiu a diversidade da vida foi o sexo. De organismos “simples” que se replicavam a si próprios, a vida passou a ser fruto da troca e partilha do ADN e a tornar-se cada mais complexa e rica. Unir, ligar, juntar, trocar, partilhar e conceber. Tudo isso é sexo.
O impulso, essa força propulsora que leva os seres a unirem-se é uma energia, um ânimo, uma força anímica que deu resposta à fruição da vida. Essa energia é o amor. Instiga-nos a querer ligarmo-nos ao outro, à vida. Mantém-nos ligados a nós próprios, por amor a nós mesmos. O amor e o sexo estão juntos nesta conspiração a favor da vida e, sem esse tráfego e tráfico de informação e energia, não haveria vida, nem evolução. O sexo e o amor são qualquer coisa de mágico e sagrado, pois permitem criar, transformar, regenerar e fazer renascer a vida, ano após ano sobre a superfície da Terra, no mundo vegetal e animal. O sexo e amor também surgiram das águas, também foram materializados aí, tal como nós nos tornámos seres no útero da mãe.




O nascimento de Vénus, Adolphe-William Bouguereau (1825-1905)
(... da água, uma vez que o mito do nascimento de Vénus alude ao seu surgimento do oceano primevo)

Desde os primórdios que os homens intuíram isso. Representaram a Mãe sob várias formas, às quais associaram as formas generosas da fertilidade e da gestação da vida. Essas representações difundiram-se, desdobraram-se em sincretismos e muitas simplesmente estilizaram-se. A grande maioria perdeu o seu conteúdo ou foi decalcada. As mais populares, eternizadas através da arte (poesia e pintura), ficaram reduzidas a deusas da beleza e do amor/sexo, com frequência, no seu sentido mais fútil ou lascivo. No entanto, elas representam o livre fruir da vida, do desejo, vontade e poder de criar, gerar e regenerar. Representaram o amor, como força anímica que impele à união, dádiva e troca criativas. Desde Isthar na Mesopotâmia, a Ísis no Egipto, a Afrodite na Grégia, a Vénus em Roma, ou Cinthia em Sintra, entre outras, todas estas deusas-Mãe personificavam a magia da criação - a magia e beleza do acto de criar. São a expressão do amor que os povos reconheceram como fonte propulsora da união, essencial à regeneração dos campos, dos animais e dos próprios seres humanos.



Isthar, Mesopotâmia (XX a.c.)

Todas estas personificações ou metáforas para o amor, sexo, fertilidade e regeneração da natureza e da vida estão (também) intimamente associadas à Lua. Muito cedo, as mulheres perceberam que o seu ciclo de fertilidade estava sincronizado com o da Lua. E, de regresso ao oceano e oceanos da vida, a encruzilhada das rotas (como fios) liga-nos à Lua e à sua força sobre as águas. Água fora de nós, água dentro de nós. Água apenas!

2 comentários:

greentea disse...

que lindissimo texto o teu e como nos reencontramos em Cynthia, ou na Lua ou na Água salgada ou doce tanto importa ! Puz um texto há tempos sobre a água como fonte de vida!
Só fico triste , a pensar porque certos posts não têm comments e outros tão vazios tão fúteis... estão a abarrotar.É sem dúvida o Karma de cada um de nós!
Tem um bom domingo.

sa.ra disse...

"todos os caminhos vão dar a Roma"... não diria Roma, mas àquele sítio onde reside a verdade - no centro do peito, em cheio, no coração!

E, muito obrigada pelo carinho!

Hoje, 13 de Fev. é dia de Lua Cheia; a Terra está a acordar e também nós estamos (mesmo que não nos reconheçamos como participantes/passageiros na jornada da Vida, no ciclo da vida)!

Mas, (consciente ou inconscientemente) alguma coisa plantámos, semeámos, enterrámos no fundo de nós - uma vontade, uma desejo, um sonho - e, foi por isso que escrevi sobre sexo, amor, água, vida, ferilidade e Lua!

Para lembar que somos fecundos e férteis como a Terra e sabemos fazer nascer novas vidas, quer tanhamos filhos quer não... sabemos fazer nascer novas vidas, renovar-nos e re-criar a nossa própria vida, ano após ano!

e... mais tarde ou mais cedo o vento faz-nos encontrar e liga-nos ... leva o polén a outras árvores, a outras flores!

um beijo para ti, greentea, e tem um dia muito feliz!