10 março, 2006
saídos da noite
Morrer é deixar morrer em nós próprios aquilo que já não nos serve ou alimenta
Esta não é uma época de morte e, por isso, não planeava falar sobre ela. Mas, de facto, é impossível falar em vida e celebrar o seu retorno, sem mencionar a morte. A Natureza é sábia e mostra-nos a fecunda alternância entre a noite e o dia, o caos e a ordem, a vida e a morte. O Inverno está a terminar e com a chegada da Primavera a promessa de um renascimento torna-se concreto. Não há nenhum misticismo nisto: a Natureza renova-se. Os prados, antes adormecidos, enchem-se de flores, as aves retornam e constroem os seus ninhos. Há crias novas nos rebanhos e folhas e flores a rebentar nas árvores. Isto é o renascimento. Estamos aqui, somos da Terra, e participamos deste e neste eterno ciclo de morte e renascimento.
Seguir a Natureza
A “morte” ocorre no Outono e no Inverno. As copas da árvores caem, a seiva recolhe-se e muitos animais hibernam. É tempo de recolhimento, de viragem para o interior – de olhar para dentro. A morte é, então, a morte em nós próprios, daquilo que já não produz vida em nós. Assim como a terra, no fim da colheitas, precisa de repouso, limpeza e reequilibrar-se, também nós precisamos parar, limpar os detritos, arrancar as raízes podres, lavrar a arejar a nossa matéria, o nosso coração, a nossa alma e o nosso espírito. Deste modo, em sintonia com a Natureza, deixamos ir o que nos pesa, libertamo-nos daquilo que já não é fecundo, limpamos a nosso coração e escavamos fundo em nós, para enterrar as sementes de uma nova vida.
Morrer é renunciar ao que já não nos serve – crenças, interesses, ideias, hábitos, comportamentos, mágoas, ressentimentos, expectativas, frustrações, etc. Morrer é libertarmo-nos de um passado, agora, estéril, esgotado, como a terra que já deu fruto. Morrer é perdoar, a nós próprios e aos outros. É aceitar que fizemos o melhor que podíamos e sabíamos e deixar ir, sem mágoa, aquilo que já não tem remédio.
Morrer bem
E é assim que preparamos a nossa própria terra para uma nova época de vida. É também assim que a fertilizamos e lhe damos força. No fundo de nós prepara-se a intenção e o desejo de criar algo novo, de fazer diferente, de crescer - de renascer.
Toda a Natureza participa deste mistério da morte e renascimento. As árvores deixam ir as folhas velhas e os animais não contrariam a necessidade perder o pelo ou a plumagem. Tudo voltará, renovado, revigorado. O nosso corpo faz o mesmo. Todos os dias morrem milhares de células no nosso corpo. A apoptose (morte celular programada) é uma estratégia do nosso organismo que garante a saúde dos nossos tecidos e órgãos. Sem estas “mortes” estaríamos atolados em células teimosamente apegadas à vida e estaríamos condenados à doença e à morte efectiva. As nossas células vivem a sua vida e morrem a sua morte. É um processo extraordinário de regeneração constante. Depois de cumprirem a sua missão, de fazerem o que têm de fazer, de contribuírem com a sua vida para o funcionamento saudável do organismo, as nossas células “suicidam-se”. Outras já estão a postos para assumir os seus lugares, oriundas da "mágica" maternidade onde se formam e nascem as células estaminais – a medula espinal, a central da regeneração celular.
Morrer é, neste sentido, um gesto de amor para connosco. É deixar ir, é libertar, abrir espaço para o novo e para a regeneração de nós próprios e das nossas vidas. Dói, às vezes dói muito desapegarmo-nos de certas coisas. Mas dói mais prendermo-nos e negarmo-nos a liberdade de deixar ir o passado. Assim como a chuva leva os detritos, assim como o rio arrasta a folha, deixemos ir o que não mais constitui fonte de vida e alimento ao nosso coração.
A força que nos move
Nascer também dói. O feto tem de rasgar a carne da mãe, o pinto tem de partir a casca do ovo, a planta tem de furar, primeiro o invólucro da semente e depois a terra, para vencer a linha da superfície. Nascer, implica deixar alguma coisa para trás que, por muito que nos tivesse sido útil, ou até benéfico, não é mais. O impulso para a vida começa com o desconforto, a sensação de estar preso, retido. (As contracções antes, durante e depois do parto doem). Este impulso que nos leva a deixar o útero, que leva a planta a furar a terra, que instiga a borboleta a sair do casulo é o Amor!
É o amor que nos move e que move tudo neste Universo em eterna transformação e em permanente alternância. É o amor que nos liberta e que nos dá ânimo para voltar a nascer, para continuar o nosso caminho, para seguir e realizar a nossa Obra! Deus tirou férias e deixou-nos a criar por Ele e como Ele. Deixou-nos com (os seus) olhos, ouvidos, voz, mãos, inteligência, coração e consciência para compreendermos a Obra e para a repetirmos, ano após ano, ciclo a após ciclo, como no Princípio. Sempre que semeamos, seja na terra, no nosso coração ou no nosso útero, estamos a repetir a Obra da Criação, a grande Obra da Vida: o Amor!
Um beijo muito especial a NoiteEstrelada
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7 comentários:
está um texto muito, muito interessante e importante no Blog "Ouro Líquído", ao qual podem aceder a partir daqui. Chama-se "Ressonância Shumann" e foi publicado com apenas alguns minutos de diferença deste "saídos da noite". Se ainda não leram o recomendo-vos vivamente que o leiam!
Um bom fim-de-semana a todos!
beijinhos!
que belo texto...saídos da noite das noites ...libertar o Sol que está preso no coração do homem...revelar a divindade que é na Cruz Cósmica do Universo...
Lindo, belo, ...e não sei dizer mais...
beijinhos,
***maat
nasci... vivi... morri...
neste maravilhoso texto.
beijinhos.
É um desafio de uma vida! Ou, quem sabe, de muitas...
Bom fim de semana!
Querida amiga,
Segui com muita atenção este belissimo texto.
Disfrutei palavra a palavra, queria ser honesta, contigo.
Não sei se já disse. Mas tenho dias que sinto exactamente o que descreves, mas pode acontecer, qualquer contratempo, uma simples recordação, pegar num objecto que foi dele...não sei...para que as emoções se alterem logo.
Tenho dias que até já consigo pensar que vou ultrapassar, não sei se conheces o caso,... (ultrapassar o quadro tambem). Travo uma luta que não é muito comum nestes casos...infelizmente hâ mais gente que tbem sofreu perdas...mas tudo o resto, as próprias circunstancias no dia...nos dias que se antecederam...entendes agora que é um percurso muito dificil?
No outro blog conheciam-me pela "mãe coragem"...mas nada disso. Qualquer pessoa e os medicos sabem que agi e estou ainda a agir quase mecanicamente.
Por isso a minha personalidade está tambem alterada.
Espero readquiri-la, pois as vezes sinto um certo desconforto, porque parece que estou no meu corpo, mas sou outra pessoa, entendes?
Tenho que terminar...já disse que não sei respeitar o reduzir os comentarios...não consigo.
Um beijinho,
bom fim de semana
Na manhã seguinte, um doce sentimento de paz a invadiu. Pensou novamente na mulher deformada, doente da alma e do coração, prostrada sem vida, como a planta. E então, sem saber aonde ela está ou como a contactar directamente , concentrou-se nesse sentimento de amor e tranquilidade , nessa Luz que enchia a sua mente e enviou-lhe o perdão e a cura. Porque o passado já não existe. O passado serviu para que aprendêssemos a transpor certas barreiras, para que soubéssemos aperfeiçoar o nosso EU, as nossas atitudes, os nossos comportamentos. Para que pudéssemos curar certas feridas antigas, dar um sentido diferente às nossas vidas, respeitar e entender os que nos rodeiam, aceitar as suas atitudes. As dificuldades, as contrariedades do dia a dia têm um único objectivo – ao lidarmos com elas aprendemos a ultrapassá-las, libertamo-nos de experiências antigas menos boas, gerimos a nossa destreza e a nossa capacidade de perdoar. Porque o perdão é “uma experiência de caminho, cheia de esforço e ternura, uma aventura cheia de surpresas que vêm sempre de modo novo em nossas vidas”, todos os dias da nossa vida.
E nesta dádiva de si própria, Cláudia foi para o jardim cuidar das suas plantas. O cão deitou-se tranquilo, perto dela.
um beijo para ti. por este texto maravilhoso,pela dádiva. pela Vida
Que texto belo e profundo!
Adorei.
Beijinhos,
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